Uma proposta na contramão

Enquanto as múltis elegem o País como prioridade, acionistas do grupo Carrefour querem que a rede saia do Brasil
JEAN PIERRE MULLER
R$ 2 bilhões é o valor que os dois principais acionistas do Carrefour já perderam com investimento na rede

Na última semana, uma informação caiu como uma bomba no varejo brasileiro. Segundo notícia veiculada pelo jornal francês "Le Monde" na terça-feira 29, o grupo Carrefour estaria sendo pressionado por dois de seus maiores acionistas a vender ativos no Brasil e na China para reforçar o caixa da operação global.
O choque foi ainda maior por isso estar acontecendo num momento em que todas as grandes multinacionais do globo concentram investimentos por aqui e ganham mais dinheiro no País. O assunto foi discutido em junho de 2009 e a proposta teria sido apresentada por Tom Barack, o magnata dos fundos de private equity dos Estados Unidos, e Bernard Arnault, dono da LVMH, que controla algumas das marcas mais luxuosas do mundo, como Louis Vuitton e Dior. Juntos, eles possuem 13,55% do capital do Carrefour.
A publicação afirma que eles estariam cansados de queimar dinheiro numa companhia em que o ganho por ação despencou 33% em 2008. Os prejuízos foram imensos: só no ano passado, os dois acionistas perderam 780 milhões de euros (mais de R$ 2 bilhões) com a derrocada dos preços dos papéis da rede. De acordo com o plano proposto, a companhia optaria pela venda de um dos dois blocos de operações com maior liquidez no grupo atualmente: o da América do Sul, com Brasil à frente, e o da Ásia, liderado pela China. É preciso entender por que os acionistas falaram especificamente em Brasil.
Como foi pouco afetada pela crise global, a operação brasileira é lucrativa e sua venda turbinaria final do ano. As vendas da rede no Brasil cresceram 7,2% no último trimestre e mais de 5% até junho. No mundo, elas caíram 2,8% no ano. Nem a China chegou perto do desempenho alcançado por aqui - lá a expansão foi zero no último trimestre, revela o balancete mundial. Terceira maior rede do Brasil, o Carrefour fez uma série de ajustes para tentar tornar a operação por aqui mais rentável e ágil nos últimos três anos. Seus ativos estão avaliados em até US$ 7 bilhões.
Afinal, o que significaria para a empresa e para o varejo brasileiro a venda de uma companhia do porte do Carrefour? Segundo fontes do mercado, para a rede a suposta saída do Brasil representaria uma espécie de suicídio estratégico. "O País trará resultados mais rapidamente e a rede vai precisar disso nos próximos anos", afirma Marcos Gouvêa de Souza, diretorgeral da consultoria GS&MD . Por trás disso, existiria uma lógica financeira.
Afinal, o Brasil é o ativo mais suculento para os investidores hoje. Um negócio como esse poderia levar o setor a ter apenas dois grandes concorrentes no País, o grupo Pão de Açúcar e o Walmart. No caso do Pão de Açúcar, a compra está fora de seu alcance financeiro. Se o Walmart se aventurasse na aquisição, nasceria uma empresa de quase R$ 40 bilhões em faturamento e com 900 lojas no País. Seria, de longe, a maior rede de varejo do Brasil (o Pão de Açúcar fatura R$ 21 bilhões).
Para alguns analistas, a polarização entre uma rede nacional e uma estrangeira (o americano Walmart) tornaria a competição ainda mais ferina. Caso a proposta de venda dos ativos brasileiros seja confirmada - algo, diga-se de passagem, ainda muito distante da realidade -, outros prováveis compradores seriam a alemã Metro e a inglesa Tesco, segundo avaliação da Ativa Corretora. As duas últimas chegaram a estudar a entrada por aqui no passado, mas desistiram. O Walmart, no entanto, tem mais cacife e sempre deixou claro o interesse de crescer no Brasil por meio de aquisições. Por enquanto, o CEO do Carrefour, Lars Olofsson, não se manifestou a respeito.

 
Adriana Mattos

Fonte : ISTOÉ Dinheiro