Surpreendendo praticamente todo o mercado, o Grupo Pão de Açúcar – que em junho havia adquirido o controle da Globex, controladora da rede Ponto Frio – confirmou nesta 6a. feira o maior negócio da História do varejo brasileiro, ao comprar a Casas Bahia, maior rede de eletro-eletrônicos e móveis do País.
Com a aquisição, cria-se a maior cadeia varejista brasileira, com faturamento superior a R$ 40 bilhões. Em 2008, o Pão de Açúcar – ainda sem contar com a Ponto Frio – faturou R$ 25,7 bilhões; para este ano, é previsto um aumento em torno de 40%. Já a Bahia faturou no ano passado R$ 13,9 bilhões, e ainda não informou a previsão para 2009. De qualquer modo, o Pão de Açúcar torna-se novamente líder no setor de varejo, já que detém ainda o controle das redes Extra, CompreBem, Sendas e Assaí.
Nesta 5a. feira, as ações da Globex se valorizaram em nível surpreendente da Bovespa, estimulando os boatos sobre um grande negócio que estaria sendo costurado nos bastidores. Mas foi somente na manhã desta 6a. que os dois grupos confirmaram a notícia. Na verdade, a Casas Bahia estava negociando sua venda desde o ano passado, quando o grupo mexicano Elektra iniciou operações no Brasil. Nos últimos meses, cresceram os comentários de que o americano Wal-Mart e o francês Carrefour estavam em negociação com a família Klein, dona da Bahia.
Mas Abílio Diniz, principal acionista do Pão de Açúcar e sócio do francês Casino, um dos maiores grupos varejistas da Europa, foi mais ágil e fechou com Michel Klein, presidente da Bahia e filho do fundador, Samuel Klein. Essa agilidade já havia sido demonstrada em junho, quando a Globex negociava oficialmente uma fusão com a Magazine Luiza, que foi atropelada por Diniz com uma oferta incluindo enorme quantia à vista.
FONTES: Portal Exame, Folha Online, Estadao.com.br ACONTECIMENTO ANTERIOR A ESTA NEGOCIAÇÃO
08//2009Herdeiro das Casas Bahia deixa a sociedade
Saul Klein está vendendo sua participação por cerca de R$ 1,3 biSegundo fontes do mercado, Saul deve ir, em um primeiro momento, para o conselho de administração da rede. Pelo acordo fechado, ele não poderá atuar no dia a dia do varejo de móveis e eletroeletrônicos por cinco anos. As Casas Bahia informam, por meio de sua assessoria de imprensa, que há uma negociação que está para ser formalizada. Mas, por um acordo firmado entre as partes, "não há o que possa ser dito mais neste momento".
Saul é o filho caçula de Samuel Klein, fundador da empresa, e um dos três herdeiros - os outros são Michael, o mais velho, e Eva, a filha do meio - de um império que fatura cerca de R$ 14 bilhões por ano. Eva está fora da operação da empresa e vive nos Estados Unidos. Michael é o diretor administrativo e financeiro da companhia.
Segundo pessoas próximas dos dois herdeiros, Saul e Michael sempre tiveram divergências. Com estilo mais agressivo, Saul era mais duro nas negociações com fornecedores, usando a prerrogativa de diretor comercial e de sócio da companhia. Já Michael é mais político e flexível.
As divergências entre ambos teriam se acirrado a partir de setembro do ano passado, com a crise financeira internacional, que reduziu os resultados de todas as empresas e também das Casas Bahia. No início deste ano, a rede decidiu diminuir o ritmo frenético de expansão e fechar lojas deficitárias. "A crise funcionou como um catalisador das divergências entre os herdeiros, que vem de anos", diz uma fonte.
Um ponto que acirrou o desentendimento entre os irmãos teria sido uma carta enviada para os fornecedores, durante as férias de Saul, avisando que as negociações não mais poderiam ser feitas por meio de representantes da indústria. Segundo o comunicado, as transações passariam a ser fechadas entre os gerentes das indústrias e a direção comercial da empresa. A decisão tomada pelo fundador da rede, Samuel Klein, teria desagradado o filho Saul.
A partir desse momento, segundo fontes do mercado, teria ficado clara a opção do pai de apoiar o filho primogênito Michael, como reza a tradição judaica. Saul teria decidido sair do negócio e abriu caminho para que a empresa comprasse a sua participação.
"Não é novidade que o Michael seja o sucessor de Samuel", afirma outra fonte próxima. Além da tradição de privilegiar o filho mais velho, ele foi preparado para suceder o fundador da empresa.
A saída de um dos irmãos do negócio era inevitável, observa outra fonte do setor. "Eles são extremamente ambiciosos e espertos. Por isso, fica difícil a convivência."
FINANCIAMENTO
Apesar de o negócio ter sido formalizado internamente, Saul ainda não teria embolsado o dinheiro. Mas, segundo fontes do mercado, a empresa já teria assinado cartas de financiamento com bancos para obter os recursos e comprar a participação de Saul. Especula-se no mercado também que os recursos poderiam vir de um fundo que, em breve, entraria como sócio capitalista da empresa. "Eles estão preparando a companhia para ser uma S/A (sociedade anônima)", diz uma fonte.
Especialistas do varejo confirmam a avaliação de que a rede, assim como qualquer outra do setor, não teria hoje disponibilidade de caixa para fazer esse desembolso, diante da atual conjuntura. Eles lembram que, em episódios recentes nos quais herdeiros compraram a participações na sociedade com recursos da própria empresa, seguiu-se um período de descapitalização das companhias, que tiveram de recorrer a sócios estrangeiros.
06/2009
A jogada mais ousada de Abílio
A compra do Ponto Frio
Com a compra do Ponto Frio, o dono do grupo Pão de Açúcar consegue retomar a liderança do varejo brasileiro, distanciar-se do Wal-Mart, seu mais perigoso concorrente, e ameaçar a Casas Bahia
Abilio Diniz: a compra do Ponto Frio é encarada como uma vitória
O anúncio do negócio foi o ápice de um processo que durou mais de um ano, envolveu assessores espalhados por quatro países e se encerrou às 4 horas da manhã de 8 de junho, quando a última assinatura do contrato de venda foi recebida pelos advogados e banqueiros que assessoravam Abilio. O ponto de partida foi a decisão tomada por Lily Safra, viúva do banqueiro Edmond Safra e controladora do Ponto Frio, de colocar a rede à venda - depois de outras cinco tentativas malsucedidas. As primeiras conversas começaram no primeiro semestre do ano passado, quando alguns potenciais compradores foram sondados pelos banqueiros do Goldman Sachs, representantes de Lily. Entre os candidatos à aquisição estavam alguns dos principais varejistas do país - Lojas Americanas, Carrefour, Magazine Luiza e Pão de Açúcar -, além de uma surpresa, o Grupo Silvio Santos. Abilio tentara comprar o Ponto Frio em outras ocasiões, mas esbarrara em indecisões de última hora dos acionistas. Para evitar novas frustrações, em janeiro deste ano, ele resolveu fazer uma visita a Lily Safra em Nova York e certificar-se de que, desta vez, a venda seria irreversível. Saiu de lá convencido. O mesmo movimento teria sido feito por uma das mais fortes candidatas ao negócio, a empresária Luiza Helena Trajano, presidente do Magazine Luiza, rede que há poucos anos deixou o interior de São Paulo para se transformar numa das grandes empresas de varejo do país. Simpática e extrovertida, Luiza Helena teria presenteado a aristocrática e reservada Lily com uma caixa de doces caseiros. Lilly permaneceria impassível. Em março, o Ponto Frio divulgou um fato relevante, colocava-se publicamente à venda e esperava por novas propostas.
A opção final de Lily pelo Pão de Açúcar deveu-se em grande parte à sólida situação financeira apresentada pelos negócios de Abilio. Depois de passar por uma reestruturação no ano passado, o grupo encerrou 2008 com 1,8 bilhão de reais em caixa - o suficiente para satisfazer à demanda dos controladores do Ponto Frio, que exigiam pagamento de 1,1 bilhão de reais em dinheiro. No entanto, para evitar um elevado endividamento num período de turbulência internacional, o Pão de Açúcar partiu para uma negociação dura em relação ao valor e insistiu num sistema de troca de ações. O resultado foi um modelo híbrido, desenhado pelo escritório de fusões e aquisições Estáter, que prevê o pagamento em duas parcelas. A primeira, de 373,4 milhões de reais, será paga à vista. Os recursos sairão do caixa do grupo. A segunda, no valor de 451,1 milhões, será feita sob a forma de ações do Pão de Açúcar, que fará uma emissão em julho. Sem ter o mesmo cacife financeiro, o Magazine Luiza. desistiu do negócio - assim como os demais pretendentes. "Pesou a favor do Pão de Açúcar o fato de o grupo contar com papéis de alta liquidez em bolsa", disse a EXAME Cláudio Galeazzi, presidente do Pão de Açúcar e responsável pela recente reestruturação do grupo.
O empenho de Abilio é uma mostra da importância que ele dava à conclusão do negócio. Com a aquisição, o grupo Pão de Açúcar volta à liderança no setor de varejo, perdida para o Carrefour em 2007. Além dos inegáveis ganhos com sinergias, estimados em até 500 milhões de reais pelos executivos do grupo, a compra do Ponto Frio deverá ajudar a solucionar dois problemas. O primeiro é a expansão do Pão de Açúcar, uma empresa muito concentrada em São Paulo, para outros estados. A maior parte das 455 lojas do Ponto Frio localiza-se em praças onde o grupo tem pouca ou nenhuma penetração (casos de Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo). Além disso, o faturamento de cerca de 5 bilhões de reais do Ponto Frio permite finalmente à rede uma posição sólida no setor de eletroeletrônicos, que apresenta margens de lucro maiores que as obtidas pelos supermercados. O Pão de Açúcar fez tentativas solo de atuar nesse mercado com a marca Eletro, adquirida na década de 70 e transformada anos atrás em Extra Eletro. Com apenas 47 lojas, porém, a Extra Eletro tem atuação marginal no segmento. "Não tínhamos escala para brigar com as grandes redes", afirma um executivo do Pão de Açúcar. Segundo uma fonte ligada ao Casino, o sócio francês do grupo, as lojas do Extra Eletro serão incorporadas nos próximos meses ao Ponto Frio e administradas separadamente dos supermercados.
Mais do que passar à frente do Carrefour, a jogada de Abilio Diniz colocou o Pão de Açúcar numa posição confortabilíssima em relação àquela que é considerada a maior ameaça à liderança do grupo no longo prazo: o americano Wal-Mart, maior rede de supermercados do mundo. Embora esteja na terceira posição no ranking do varejo nacional, com faturamento de 17 bilhões de reais, o Wal-Mart tem crescido à média de 5% ao ano no Brasil. Em 2009, a empresa deve investir 1,8 bilhão de reais na abertura de cerca de 90 lojas, a maior parte delas na Região Nordeste - mercado em que o Pão de Açúcar opera no vermelho. "O Wal-Mart tem apresentado uma estratégia sólida de crescimento no Brasil", diz um executivo do Pão de Açúcar. "E sabemos que a matriz americana não vai poupar esforços para fazer com que a rede chegue à liderança do mercado."
Como em toda grande aquisição, os benefícios decorrentes da compra do Ponto Frio vêm acompanhados de desafios - alguns deles de dimensões consideráveis. Apesar de garantir maior massa muscular à empresa de Abilio Diniz, o Ponto Frio sofre de problemas crônicos, como a baixa penetração na classe C, cujos consumidores formam o pilar que sustenta a estratégia da Casas Bahia. e do Magazine Luiza. Desde que assumiu o posto de presidente do Ponto Frio, há dois anos, o executivo Manoel Amorim tentava mudar esse cenário, mas esbarrava em entraves que iam da localização das lojas à falta de investimentos. Em 2008, um ano espetacular, as vendas da rede não acompanharam a média do setor. "Nos últimos anos, o Ponto Frio foi tomado por uma acirrada disputa entre sócios e por um grande desinteresse de Lily Safra pelo negócio", diz Claudio Felisoni, consultor da Fundação Instituto de Administração, da Universidade de São Paulo.
Abilio Diniz é conhecido por seu temperamento por vezes mercurial. Ganhar a disputa pelo Ponto Frio era, sim, uma questão de honra. Mas era sobretudo a saída estratégica que ele enxergava para o crescimento de seus negócios. A aquisição, no entanto, não está livre de alguns riscos. O Ponto Frio, assim como a maior parte de seus concorrentes, tem apresentado um retorno sobre o capital investido inferior a 10%, abaixo do custo de capital da empresa. "Esse descompasso acaba diminuindo o valor para o acionista", afirma o analista de um grande banco de investimento. "O Pão de Açúcar agora precisa encontrar uma maneira de fazer com que o Ponto Frio trabalhe com margens maiores." Para o incansável Abilio Diniz, que aos 72 anos será papai pela sexta vez, esse novo capítulo de sua biografia está apenas começando.